domingo, março 06, 2005

Um Governo de Compromisso

Palácio de Belém, 20h, 4 de Março. Sócrates, antes de divulgar a lista de ministros, afirma que o governo é “forte”. Primeiro sinal: negativo. Ao primeiro-ministro, não basta revelar a lista. Precisa de afirmar que ela é forte. É porque não o será...
É divulgada a lista. Metade é “tralha guterrista”. Pior. Os seus segundos planos. Fugiram as “cabeças”, ficaram os outros. Segundo Sinal: também negativo.

Sectores económicos e finanças. Temos o Constâncio número dois (em face da recusa deste) com o capital (bancos) bem representado. Terceiro Sinal: mais uma vez, preocupante.

Finalmente, os sectores sociais : ex-comunistas e desconhecidos. Quarto sinal: contraditório.

Quinto sinal : Freitas do Amaral.

Pois. Sócrates acabou por fazer um governo à imagem da maneira como chegou à maioria absoluta. De compromisso, nem parecendo que tem maioria absoluta. Vejamos:

A sua tarefa é impossível pois a base de apoio com que conta é contraditória. São duas pernas, cada qual a tentar caminhar para o seu lado. Não há saída. As cabeças guterristas sabem disto. Ganham os escritórios de advogados (Vitorino) e instalam-se os treinadores de bancada (Constâncio). Avança a tralha guterrista, de segunda, ávida de tachos.

Pagam-se as dívidas (de campanha) aos sectores empresariais (que asseguraram o embuste personificado pelo massacre da imprensa contra o centro-direita). Curiosamente, prevê-se a continuidade das políticas restritivas de Manuela Ferreira Leite. Contradição nº 1 : alguém vai sofrer, mesmo que o espartilho do défice afrouxe. Não serão os bancos e o capital. Estes têm, agora, os cordelinhos do poder.

Tenta-se salvaguardar a intervenção social. Ex-comunistas e outros que tal tentarão - o confronto interno com as pastas económico-financeiras será incontornável - cumprir as promessas de Sócrates. Contradição nº 2.

Vamos supor que estas duas “forças” conseguem os seus intentos e avançam com as suas políticas contraditórias (o que não significa que tenham sucesso). Quem perderá? O povo. As classes baixas, médias e média-altas, ou seja, as que não dependem dos subsídios sociais (mas que para eles contribuem).

Em consequência, um primeiro grupo, mais de esquerda, continuará a sair do PS para o BE … Não suportará a continuação dos sacrifícios (mais intensos, por via da isenção do capital nesse processo e pelo crescimento dos custos sociais, a pagar).

Um segundo grupo, de centro-direita e um terceiro, proveniente da abstenção, que foram votantes no PS, em fuga das políticas restritivas dos governos centro-direita e com a recordação (e à procura) dos tempos fáceis de Guterres (que nos levaram ao pântano) vão perceber que se manterão sobre eles os sacrifícios, desta vez, sem justiça (o capital ficará de fora, no processo) e com intensidade redobrada (pois mais despesas sociais terão de ser pagas).

Mas, como tudo isto é de difícil gestão política, principalmente dentro do caldeirão socialista, aparecerão as crispações. A partir dos avôs Soares, Alegre e outras forças de "esquerda". Os empresários sofrerão com possíveis mexidas nos códigos de trabalho. O emprego, em vez de subir (150.000, lembram-se), cairá.

E ninguém se vai entender.

Apesar da cínica massa jornalística (comentadores incluídos) já ter transformado o tapete de pregos (de Santana) num mole colchão de penas (para Sócrates), invertendo o seu discurso (elogiará e designará de incontornáveis exactamente as mesmas medidas restritivas de que, há poucos meses, dizia cobras e lagartos), não terá forma de esconder toda a trapalhada que vai constituir este percurso de regresso ao pântano.

Finalmente, Freitas do Amaral. Nada a dizer. Senilidade… de quem o lá pôs.

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