A recente polémica sobre quem deverá pagar o investimento nas infra-estruturas rodoviárias revela bem a inconsistência de quem tem de decidir…
Constâncio, o mais recente Mourinho da nossa política económica divagou sobre o assunto e “pariu um rato”. Disse que deveria ser o sector (automóvel) a pagar o investimento sem ousar ir até onde o seu raciocínio pressuponha poder chegar : ao princípio do utilizador-pagador. Apenas por razões políticas. Que desilusão. Caiu-lhe a máscara. Vamos ser governados por indivíduos onde o peso do cartão rosa no bolso se sobrepõe aos interesses do País.
Mas, a discussão sobre este assunto é inócua. Porquê? Porque, antes, é necessário discutir o sistema fiscal.
O Estado presta serviços e remunera-se pela via dos impostos.
Que impostos?
Os gerais, sem directa e imediata aplicação. Ou seja, juntam-se todos num bolo e aplicam-se conforme os orçamentos anuais. São exemplos o IVA e o imposto sobre rendimentos.
Os específicos (os tais impostos sectoriais) que deveriam (não o são muitas vezes) aplicados no sector onde são obtidos. São exemplos o IA, taxas municipais, descontos para esquemas sociais, de saúde e reforma, etc.
E as taxas, que cobram o serviço prestado ou parte dele (portagens, taxas moderadoras, custos notariais, etc).
E que serviços?
Aqui, depende do ponto de vista político. Uns defendem menos outros mais. Uns dizem que o Estado apenas deve intervir onde (em termos funcionais e geográficos) o sector privado não o pode fazer (bem) e outros alargam essa intervenção a funções e sectores menos estratégicos.
Como deveria ser?
Simples e transparente.
O IVA é fundamental. Há serviços que não podem ser taxados e suportados directamente. A segurança pública, a defesa, o governo, alguma educação, alguma saúde, alguma protecção social.
O IRS e o IRC são dispensáveis. Deveriam acabar. Embora gradualmente.
Ao contrário do IVA (que todos pagam em função do que gastam), estes impostos, sobre o rendimento, apenas são pagos por quem declara os seus rendimentos ou por quem não pode deixar de os declarar. Mas mais: taxam de igual forma um rendimento bem gasto (em investimento) e outro mal gasto (por exemplo, a compra de um iate). Ao contrário do que parece, o IVA é justo, pois paga sempre mais quem ganha mais (pois também gastará mais).
Os serviços prestados pelo Estado deveriam ser traduzidos pelo seu custo real. Cada entidade (pública) passaria a ter de saber exactamente qual o custo do serviço que presta. Teria que “empresarializar” a sua gestão e assegurar uma contabilidade analítica sobre a mesma.
Sobre esse custo e em cada serviço que considerasse essencial, o Estado poderia comparticipar numa determinada percentagem (subsidiaria o serviço). O utilizador suportava o restante.
Seria aplicado o princípio do utilizador-um pouco pagador.
Ficaria a questão: que parte pagará o Estado? Aquela que for determinada.
Por exemplo, no Ensino Básico, tudo. No Ensino Secundário e Profissional, uma parte (grande). No Ensino Superior, uma parte (pequena).
Seria aqui que cada governo interviria e colocaria o seu cunho.
Na definição da dimensão da intervenção estatal.
Governos neo-liberais teriam uma opção, governos de esquerda outra. Mas manter-se-ia a "forma"...
E a parte que caberia ao utilizador?
Bem. Partiríamos do princípio que a base de justiça social teria sido aplicada no pagamento dos impostos gerais. Quem mais gastou, mais IVA pagou. No entanto, poderíamos ir mais longe no aspecto social.
Cada utilizador estaria definido pelas suas carências (um cartão da acção social). E, consoante a sua “classificação”, poderia ver reduzida a sua comparticipação em determinados serviços essenciais e semi-essenciais , prestados pelo Estado e não só (em determinados sectores, o Estado poderia comparticipar serviços particulares. São exemplo as opções pela Educação e Saúde privadas).
Nestes grupos estariam incluídos os desempregados, pensionistas, pessoas especiais (deficientes e determinados doentes) e actuais usufruentes do rendimento de insersão. A sua situação traduziria-se, então, num escalão de acção social.
Claro que esse cartão não "reduziria" os custos de uma nova aparelhagem de som ou do "copo" na tasca da esquina..., mas ajudaria no pagamento do leite do bebe e no pão do dia a dia. A operacionalização deste esquema poderá ser complexo, mas a tecnologia já existe e é aplicável (as farmácias portuguesas têm um sistema deste tipo, que pode ser ainda melhorado).
Caberia aos Governos “mexer” nestas tabelas percentuais de participação e comparticipação sobre os produtos e serviços prestados e na taxa de IVA. Por opção própria, em função do seu ponto de vista em relação às prioridades sociais ou ainda em reacção a variáveis exógenas (períodos económicos globais de crescimento ou inversamente, recessivos).
Vantagens: sistema fiscal muito mais simples. Sem IRC e IRS, o consumidor final não tinha declarações a fazer. Pagava tudo através do IVA e das taxas de serviço (exemplo : portagens) efectivamente utilizado, pelo que, apenas as empresas teriam que manter uma relação com a entidade fiscal (mais alguns empresários em nome individual). Muito menos contribuintes significariam uma máquina fiscal muito mais “magra” e mais eficaz.
As taxas de IVA teriam de crescer, pois a receita deste imposto teria que "cobrir" as restantes que deixariam de existir.
Sem impacto para a população e para os preços dos produtos (mais IVA, menos custos sociais e impostos sobre o rendimento). Não pagariam IRS e prestações sociais.
Os mais desfavorecidos acederiam a serviços (mais) comparticipados pelo Estado.
O IVA passaria a ser aplicado a serviços actualmente isentos (habitação e saúde), pois os objectivos dessas (antigas) isenções seriam garantidos por outra via (já descrita).
A partir dessas receitas, seriam garantidas as despesas sociais.
Fim aos descontos para a saúde, segurança social e pensões. Simplificação, enfim…
Outra vantagem, económica: os produtos vindos da China (exemplo) não têm, no seu preço, o “peso” de custos sociais (por ora). Os nossos sim. Nele, está o referido "peso social" da nossa sociedade protectora. Assim, perdem concorrência no mercado global. Se o nosso sistema fosse o acima descrito, tudo mudaria. Os nossos produtos seriam muito mais competitivos no exterior, em concorrência e igualdade de circunstâncias com os provenientes de países onde reste alguma “exploração” do mercado de trabalho. "Fintaríamos" a globalização, sem retirar a exigência da competitividade da nossa economia (seria um balão de oxigénio), que terá de crescer.
Muito mais poderia ser dito. Por agora ficaremos por aqui.
Com a certeza que, nas auto-estradas, o principio utilizador-total pagador seria bem aplicado.
Tal como na Educação Básica, onde o utilizador-nada pagador teria toda a lógica …
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